Ensino de Investigação Qualitativa em Psicologia: estímulos e desafios

Por Ana Pereira Antunes, Universidade da Madeira, Portugal, [email protected]

O trabalho Ensino de Investigação Qualitativa: Prática num Curso de Mestrado em Psicologia da Educação, apresentado no V Congresso Ibero-Americano de Investigação Qualitativa (CIAIQ2016) e publicado no respetivo livro de atas, constitui a base do resumo que aqui se descreve.

Este estudo tem como principal objetivo contribuir para a reflexão e a discussão sobre o ensino da metodologia qualitativa em contexto de sala de aula, nomeadamente, no âmbito científico da Psicologia.

Investigação qualitativa na área da Psicologia

De uma forma geral, a investigação psicológica tem valorizado a abordagem quantitativa em detrimento da qualitativa (Povee & Roberts, 2014; Roberts & Povee, 2014), sendo que se tem assistido, mais recentemente, a um progressivo investimento, e reconhecimento, desta última abordagem na Psicologia (Rodríguez, Anguera, Suárez, León, & Márquez, 2014).

A par desta questão, coloca-se a formação de futuros psicólogos no que diz respeito ao desenvolvimento de competências profissionais, incluindo-se aqui as competências investigação, quer ao nível da realização e quer ao nível da interpretação.

Nesse sentido, surge a realização deste trabalho, questionando-se sobre o ensino e aprendizagem da metodologia de investigação qualitativa, considerando-se que: (a) para o professor pode ser uma experiência gratificante, mas muito desafiadora (Amado, 2014; Humble & Sharp, 2012) na medida em que deparará, constantemente, com o dilema da gestão das atividades letivas mais teóricas, que envolvem lecionação de conteúdos de ordem ontológica e epistemológica, com as atividades de treino de competências práticas de recolha e análise de dados (Hansman, 2015); (b) para o aluno, dos cursos de Psicologia, acontece, geralmente, o contacto com a metodologia qualitativa depois de ter obtido conhecimento sobre a metodologia quantitativa, podendo este facto contribuir para o desenvolvimento de crenças erradas sobre a abordagem qualitativa (Povee & Roberts, 2014); e (c) a informação sobre as boas práticas de ensino de investigação qualitativa, na sua diversidade, é escassa (Hansman, 2015), comparativamente à abundância de literatura sobre investigação qualitativa (e.g., Denzin & Lincoln, 2005).

Método

Participaram sete alunos (cinco mulheres e dois homens), que frequentavam um curso de 2º ciclo do processo de Bolonha, em Psicologia da Educação, numa Universidade Pública Portuguesa, no ano letivo de 2013/2014. Estes alunos faziam parte de uma turma de quinze elementos, que frequentava a disciplina de Métodos de Investigação II, integrada no plano curricular do referido curso.

Para a realização deste estudo recorreu-se a dois tipos de materiais: (a) narrativas, para recolher dados junto dos alunos, que foram escritas individualmente, mediante a  instrução de procederem à apreciação das aulas, considerando a dinâmica em que as mesmas decorreram e o conhecimento/aprendizagem sobre a metodologia qualitativa; (b) documento, fornecido pelo professor, com informação sobre a Unidade Curricular de Métodos de Investigação II, mais especificamente, sobre os objetivos, o programa e o sistema de avaliação.

As catorze aulas semanais (teórico-práticas e de seminário), de três horas cada uma, da disciplina em estudo, registaram-se no segundo semestre do ano letivo 2013/2014, tendo-se iniciado, por motivos excecionais, três semanas após o início do semestre letivo. Ao longo do semestre as aulas e o processo de avaliação decorreram conforme previsto. No final do semestre, numa aula, mediante consentimento informado, foi solicitado aos alunos a elaboração de uma narrativa sobre a perceção que tinham acerca da importância da frequência da disciplina de Métodos de Investigação II. Como a realização da narrativa aconteceu no tempo  final da aula, aceitaram participar os sete alunos que permaneceram até ao final da mesma (inicialmente estavam onze, mas quatro, entretanto, devido ao final do ano letivo, tiveram que se ausentar por motivos  não relacionadas com a disciplina).

Então, foi distribuída uma folha em branco para preenchimento individual e dada a instrução para a elaboração da narrativa, apelando à apreciação das aulas, considerando a dinâmica das mesmas e a aprendizagem sobre a metodologia qualitativa.

Posteriormente, organizou-se o material narrativo, começando por salvaguardar o anonimato dos participantes, codificando-se, em cada narrativa, a sua identificação, ao atribuir a letra A (de aluno), seguida da numeração de um a sete (atribuição de numeração a cada participante), utilizando-se esta mesma designação na citação de segmentos das narrativas, ao longo do artigo. O texto das  narrativas foi alvo de análise de conteúdo (Bardin, 2013), mediante dois tópicos, definidos a priori e usados previamente como organizadoras da narrativa: (a) Dinâmica das aulas (referente a aspetos sobre o funcionamento das aulas, o sistema de avaliação e o professor); e (b) Abordagem qualitativa (referente a aspetos sobre a metodologia de investigação qualitativa).

A análise dos textos permitiu encontrar para o tópico Dinâmica das aulas as seguintes categorias: (a) Clima de aula e motivação; (b) Estratégias pedagógicas; e (c) Papel do professor; e (d) Tempo de aulas. Para o tópico Abordagem qualitativa emergiram as categorias: (a) Esclarecimento e conhecimento; (b) Rigor e validade; e (c) Experienciação.

Considerações finais

Este trabalho, apesar de exploratório, constitui um contributo que, por um lado, reclama a legitimidade da metodologia de investigação qualitativa em estudos de Psicologia e, por outro lado, alerta para a importância da prática pedagógica associada ao ensino da metodologia qualitativa, neste caso, em Psicologia da Educação. O presente estudo teve continuidade num outro trabalho, que pode ser consultado em Antunes (2017).

Referências

Amado, J. C (2014). A formação em Investigação Qualitativa: Notas para a construção de um programa. In A. P. Costa, F. N. Souza, & D. N. Souza (Orgs.), Investigação qualitativa: Inovação, dilemas e desafios (vol. 1, pp. 39-67). Oliveira de Azeméis: Ludomedia.

Antunes, A. P. (2017). Formação académica em metodologia qualitativa: Prática pedagógica em Psicologia da Educação. Revista Lusófona de Educação, 36, 147-161. doi: 10.24140/issn.1645-7250.rle36.10

Bardin, L. (2013). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.

Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2005). The SAGE handbook of qualitative research. Thousand Oaks: SAGE Publications.

Hansman, C. A. (2015). Training Librarians as Qualitative Researchers: Developing Skills and Knowledge. The Reference Librarian, 56, 4, 274-294. doi: 10.1080/02763877.2015.1057683

Humble, Á. M., & Sharp, E. (2012). Shared journaling as a peer support in teaching qualitative research methods. The Qualitative Report, 17, 1-19. Retirado de http://www.nova.edu/ssss/QR/QR17/humble.pdf

Povee, K., & Roberts, L. D. (2014). Qualitative research in psychology: Attitudes of psychology students and academic staff. Australian Journal of Psychology, 66, 28-37. doi: 10.1111/ajpy.12031

Roberts, L. D., & Povee, K. (2014). A brief measure of attitudes towards qualitative research in psychology. Australian Journal of Psychology, 66, 249-256. doi: 10.1111/ajpy.12059

Rodríguez, R. M., Anguera, M. T., Suárez, E., León, O. G., & Márquez, M. G. (2014, Setembro). El qué y el porqué de la metodología cualitativa en Psicología. Simpósio realizado no IX Congresso Iberoamericano de Psicologia e 2º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Centro Cultural de Belém, Lisboa.

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