Técnicas que fazem uso da Palavra, do Olhar e da Empatia: Pesquisa qualitativa em ação

A mais recente publicação, “Técnicas que fazem uso da Palavra, do Olhar e da Empatia: Pesquisa qualitativa em ação” (2019), da autoria de Maria Cecília de Souza Minayo e de António Pedro Costa apresenta diversos exemplos práticos com o uso do webQDA. Apresentamos neste pequeno texto as considerações finais deste livro.
Buscou-se, neste pequeno livro, tornar acessíveis os procedimentos mais utilizados para realização da pesquisa qualitativa e, igualmente, fundamentá-los de forma a permitir aos aprendizes e usuários do método, uma segurança epistemológica quanto à cientificidade do processo e das operações. Em comparação com outros textos já publicados, neste existe uma novidade: a apresentação de um software, o webQDA, que facilita a codificação do material qualitativo e uma análise preliminar dos dados empíricos, o que precisa ser completado com uma reflexão de “segunda ordem” que contextualiza e coloca o objeto de estudo em interconexões com estudos semelhantes nacionais e internacionais.
Tendo em vista que em cada capítulo do livro se foi apresentando a sua própria conclusão, os autores se permitem aqui, chamar atenção dos leitores, mais uma vez, para que se integrem aos que apostam nos estudos compreensivos de forma teoricamente aprofundada, metodologicamente correta e historicamente contextualizada. Para isso, interpretando o pensamento de Pascal de que “o que está no fim está no começo e vice-versa”, encerra-se este trabalho com algumas referências históricas, homenageando a saga dos que construíram teorias e métodos que balizam e apoiam os que comungam as mesmas práticas. É bom saber que muito, muito antes se plantou a árvore que hoje floresce!
Nesse sentido, em primeiro lugar, segue uma palavra sobre a trajetória da investigação qualitativa tal como conhecida hoje. Metodologicamente ela remonta ao fim do século XIX e início do século XX, e essa memória pode ser recuperada em várias partes do mundo. Pode-se dizer que ela acompanha a construção da ciência moderna e pós-industrial. Suas diversas denominações foram criadas a partir de estudos filosóficos e grupos seminais de investigação na Alemanha, Estados Unidos e na França, e de forma mais recente, na produção ibero-americana.
Na Alemanha, a lista de pensadores é imensa: Hegel, Husserl, Heidegger, Dilthey, Gadamer, Max Weber e, mais recentemente, os membros da chamada “Escola de Frankfurt” como Adorno, Horkheimer e Habermas, entre outros. Todos esses autores estão citados neste trabalho. Hegel ocupa um lugar central nesta reflexão. Ele que viveu entre 1770 e 1831 e foi conhecido como pai da ciência moderna, afirmou em “Fenomenologia do Espírito”, que a consciência nasce da experiência. E quem fala de experiência fala de sujeito; quem fala de sujeito fala de objeto. Disse ainda que a fundamentação de todo saber resulta de uma história que se inicia no plano fenomenológico e ocorre em processos sucessivos e dialeticamente articulados, entre as certezas do sujeito e a verdade do objeto. A intenção de Hegel em “Fenomenologia do Espírito” foi exatamente desarticular a visão filosófica que dividia os fenômenos do mundo, da vida e da ciência. Por isso, o autor ressaltou em sua obra, a face histórica das experiências humanas objetivadas na cultura, e a face dialética que contrapõe e aproxima o sujeito da verdade do objeto, construído através de sucessivas oposições.
Do ponto de vista da prática da abordagem qualitativa, a chamada “Escola de Chicago” dos EE.UU ficou conhecida em todo o mundo como o berço onde se desenvolveram estudos empíricos e métodos qualitativos na primeira metade do século XX. Até hoje, os trabalhos aí desenvolvidos influenciam o mundo acadêmico do país e do mundo: o interacionismo simbólico, a teoria baseada na experiência, a etnometodologia, as histórias de vida, os estudos observacionais e outros. Sobre essa instituição e o papel dos intelectuais que a conformavam à época, Howard Becker (1996), comenta que duas histórias importantes do grupo precisam ser contadas: a primeira, é sua prática de pesquisa empírica e o desenvolvimento de métodos de investigação. A segunda é o ambiente da própria instituição onde tais práticas se desenvolveram. Pois, nenhuma ideia, lembra o autor, se desenvolve no vazio. Só existe porque é levada à frente por pessoas que trabalham em organizações que a perpetuam e a mantêm. Lendo a obra de Becker, acrescenta-se uma história a mais: o engajamento dos pesquisadores com a realidade local, aproximando-se dela por meio de várias técnicas, quase sempre, em colaboração e sintonia com a comunidade de Chicago. Ele comenta que o foco dos estudos qualitativos pioneiros foi a busca de compreensão da realidade social local, em interação com a população. E para isso os pesquisadores faziam entrevistas, recoletavam dados estatísticos, interpretavam os dados dos censos e buscavam informações históricas. Portanto pensavam a realidade por meio de várias abordagens e não fazendo uma abordagem qualitativa apequenada e restrita como frequentemente se observa.
Em resumo, reafirma-se que desde a Antiguidade até a Modernidade e chegando à Pós-Modernidade, o esforço para entender o ser humano no mundo e como sujeito da sua história nunca deixou de existir. E que, a filosofia, a sociologia compreensiva e a prática da pesquisa qualitativa empírica ou documental têm um valor indiscutível para compreensão e interpretação da realidade. Isso é particularmente válido para o século XXI, com suas relevantes transformações e avanços e os dilemas que afetam a vida social e individual.
Quanto ao foco do livro, ainda que as denominações e propostas de abordagem qualitativa sejam muitas, e as técnicas para realizar tanto trabalhos empíricos como interpretações de textos sejam variadas, existe um fundamento único desse campo de conhecimento que é seu caráter compreensivo, contextualizado, interpretativo e dialético. Para os que estão aprendendo e para os que praticam essa forma de conhecimento, é importante entender sua participação numa saga de cunho científico e humanístico que considera ser possível compreender e interpretar o indivíduo situado na história, em sua biografia e seu mundo social, assim como é possível compreender e interpretar a realidade social, analisando-a como uma ação humana histórica e objetivada.

Referências
Becker, H. (1996) A Escola de Chicago. Mana. 2(2),177-188.
Minayo, M. C. de S., & Costa, A. P. (2019). Técnicas que fazem uso da Palavra, do Olhar e da Empatia: Pesquisa qualitativa em ação (1a). Oliveira de Azeméis – Aveiro – PORTUGAL: Ludomedia.

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