A Análise Qualitativa na Investigação Contextual em Educação

Por Bruna Gabriela Augusto Marçal Vieira, Universidade Estadual Paulista – UNESP, Brasil | [email protected]

Introdução

Este texto retoma o trabalho A disciplina Metodologia Científica – Redação e Documentação Técnica e a promoção do letramento acadêmico de graduandos em Ciência da Computação: uma análise qualitativa, apresentado no V Congresso Ibero-Americano de Investigação Qualitativa (CIAIQ2016) e publicado nos anais do evento. Uma versão expandida do trabalho pode ser encontrada em Vieira (2017). Procura-se discutir o papel fundamental da análise qualitativa em pesquisas sobre educação, evidenciando a complexidade de investigações dessa natureza.

A análise qualitativa em educação

As práticas educacionais, mesmo reguladas por documentos oficiais, realizam-se de forma singular em cada contexto de ensino. Além da variedade de conhecimentos prévios e estilos de aprendizagens presentes em cada sala de aula, conhecimentos e crenças do professor, questões sociais, econômicas e institucionais, por exemplo, influenciam cada etapa da instrução, desde a escolha de conteúdo às formas de avaliação (BENESCH, 2012). Considerando todo o dinamismo presente no ambiente escolar e as múltiplas variáveis do fenômeno educacional, que agem e interagem nele ao mesmo tempo, pesquisas em educação demandam métodos analíticos capazes de investigar fenômenos singulares em toda a sua especificidade. Nesse contexto, a pesquisa qualitativa sozinha, ou em complementação à pesquisa quantitativa, oferece um arcabouço metodológico para professores e pesquisadores investigarem o processo educacional em toda a sua complexidade.

As três características essenciais da pesquisa qualitativa, indicadas por Patton (1986) e retomadas por Alves (2013), asseguram uma investigação completa em função dos objetivos de análise. A visão holística prevê a análise das diversas inter-relações que emergem em um dado contexto para a compreensão de determinado fenômeno; a abordagem indutiva pressupõe liberdade do pesquisador para a definição de dimensões e categoriais de análise durante o processo de coleta e análise de dados, conforme se revelam relevantes para a compreensão do fenômeno; e a investigação naturalística concebe a intervenção mínima do pesquisador no contexto investigado.

Na presente pesquisa, a investigação sobre o potencial da disciplina Metodologia Científica – Redação e Documentação Técnica em promover o letramento acadêmico de graduandos em Ciência da Computação de uma universidade pública brasileira iniciou-se a partir de uma análise quantitativa de questionários aplicados a 30 ex-alunos. Durante a análise dos dados, no entanto, a compreensão de outros fatores, como as crenças da docente e os documentos regulamentadores da disciplina, revelou-se essencial para um amplo entendimento sobre a natureza do ensino de escrita promovido naquele contexto e suas potencialidades em preparar os alunos para a comunicação acadêmica escrita nacional e internacional. Uma análise qualitativa foi, portanto, proposta e será brevemente descrita a seguir.

A análise qualitativa como suplementação à análise quantitativa

O questionário, aplicado aos ex-alunos, continha sete questões, sendo três fechadas, duas abertas e duas mistas. Seu objetivo era investigar a percepção dos alunos sobre as contribuições da disciplina para o aprimoramento de seu letramento acadêmico. Embora a análise quantitativa dos dados tenha revelado que a maioria dos alunos (66%) não se sentia segura para a produção de textos científicos exigidos em sua área de atuação, a tabulação e quantificação das respostas não possibilitavam identificar as razões dessa insegurança, nem como ela se relacionava ao ensino dispensado na disciplina. Assim, uma análise qualitativa dos dados foi realizada.

Conforme Rivero (1999), devido a abordagem indutiva inerente à pesquisa qualitativa, deve existir um quadro teórico que oriente a análise de dados. Na pesquisa em questão, os pressupostos teóricos dos Novos Estudos do Letramento (Street, 2006) e os pressupostos metodológicos da perspectiva sociorretórica de gêneros (Swales, 2009) compuseram o quadro teórico que fundamentaram a interpretação dos dados. Com base em ambas as teorias, foi possível identificar que a insegurança dos alunos, creditada por eles a uma abordagem superficial dos conteúdos na disciplina, pode ser resultado do limitado potencial desta em promover o letramento acadêmico dos aprendizes ao embasar as aulas de escrita em abordagens tradicionais (estruturalistas) de ensino, as quais, desconsiderando a característica dialógica da linguagem, depositam no domínio de gramática e estrutura textual o conhecimento necessário para a produção escrita.

Essas conclusões, no entanto, não poderiam ser tomadas sem antes investigar a prática docente a partir de dois fatores que a compõem, a saber: as crenças e experiências da professora, e os documentos institucionais e teóricos que embasam e regulam a disciplina. Prezando a holística característica da análise qualitativa, portanto, os dados foram ampliados e diversificados de modo a garantir a credibilidade dos resultados obtidos.

A triangulação dos dados na análise qualitativa

As crenças e a experiência da professora foram investigadas a partir de uma entrevista semiestruturada (Belei, Gimeniz-Paschoal, Nascimento & Matsumoto, 2008), cujas perguntas inqueriam sobre o objetivo e as expectativas da docente para com a disciplina; o conteúdo do curso, como ele é escolhido e abordado em sala de aula; a formação da professora e como ela relaciona a sua formação à prática que realiza na disciplina. Os documentos teóricos analisados foram os mencionados pela professora durante a entrevista, e os documentos institucionais que compõem o corpus foram retirados do endereço eletrônico da disciplina.

Após ambas as análises, os dados de cada uma delas foram triangulados com os dados obtidos da análise do questionário. A triangulação é, de acordo com Flick (2009), fundamental para a pesquisa qualitativa, já que supera as limitações de método único, combinando diversos métodos e dando-lhes igual relevância. Nesse sentido, a partir do cruzamento da percepção dos alunos sobre a disciplina, com a visão da professora sobre a sua própria prática e as orientações teóricas e institucionais que regem o ensino no contexto em questão, foi possível concluir que, de fato, a professora adota uma abordagem tradicional estruturalista para a instrução de escrita, resultado tanto das orientações institucionais que regulam os objetivos das aulas, quanto de suas experiências e crenças sobre o ensino de línguas e de produção textual na educação superior.

Considerações finais

A análise qualitativa, como evidenciado neste trabalho, oferece diversos métodos para a coleta e análise de dados variados, bem como metodologias de investigação para o tratamento desses dados de forma integrada, que possibilitam a investigação do processo educacional em toda a sua complexidade. Na presente pesquisa, questionário, entrevista semiestruturada e análise documental foram métodos de coleta e análise de dados que possibilitaram investigar diversos fatores do contexto educativo em questão; e a triangulação foi a metodologia adota para o tratamento integrado dos dados, por meio da qual foi possível identificar as práticas pedagógicas adotadas pela docente na disciplina, compreender suas motivações e verificar como elas inibem a promoção do letramento acadêmico dos alunos.

Referências

Alves, A. J. (2013). O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. Cadernos de pesquisa, (77), 53-61.

Belei, R. A.; Gimeniz-Paschoal, S. R.; Nascimento, E. N.; & Matsumoto, P. H. V. R. (2008). O uso da entrevista, observação e videogravação em pesquisa qualitativa. Cadernos de Educação, (30), 187- ‐199.

Benesch, S. (2012). Critical English for Academic Purposes. The Encyclopedia of Applied Lignuistics.

Flick, U. (2009). Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed.

Rivero, C. (1999). Etnometodologia na pesquisa qualitativa em educação. Impulso, 9, 113-125.

Street, B. (2006). Understanding and defining literacy: scoping paper for EFA Global Monitoring Report. Unpublished manuscript, 2006.

Swales, J. M. (2009). Worlds of Genre: Metaphors of Genre. In: BAZERMAN, C.; BONINI, A; FIGUEIREDO, D. (Org.). Genre in a changing world. X ed. Santa Barbara, CA: The WAC Clearinghouse and Parlor Press, 291-313.

Vieira, B. G. A. M. (2017). A promoção do Letramento Acadêmico em uma disciplina de escrita: contexto universitário brasileiro. Revista Lusófona de Educação, (35), 115-129.

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