Procedimentos metodológicos na análise de comunidades virtuais de prática

Antonieta Rocha [email protected] & Alda Pereira [email protected]
Laboratório de Educação a Distância e Elearning (LE@D) Universidade Aberta

Segundo Smith (2003, 2009) a ideia de que a aprendizagem envolve um profundo processo de participação numa comunidade de prática ganhou significado recentemente. Tendo como base o conceito de aprendizagem situada, defendido e criado por Lave e Wenger (1991), Smith (2003, 2009) propõe que essa mesma aprendizagem “involved a process of engagement in a community of practice” (para. 1). Na verdade, a defesa deste conceito assenta na premissa de que a aprendizagem é social e que surge a partir da nossa experiência do quotidiano. Também Lave e Chaiklin (1993) advogam que “learning is ubiquitous in ongoing activity, though often recognized as such” (p. 5).

Dado que nos propúnhamos investigar sete comunidades virtuais de prática em quatro contextos, importava a opção por uma metodologia de análise que revelasse as especificidades, tanto das próprias comunidades, como do ambiente virtual em que as mesmas se encontravam ancoradas. Neste contexto, optámos por uma investigação de cariz qualitativo. campo de investigação por direito próprio (Denzin e Lincoln, 1994) e que se focaliza, entre outros aspetos, na tentativa de perceber as situações na sua singularidade (Patton, 1985), e que nos permitia procurar conhecer a forma como os atores se relacionam em ambiente virtual, como percecionam o mesmo, que expetativas lhes acordam e como se comprometem com a sua história, sem beliscar o seu ambiente natural.

Tendo em conta os objetivos do estudo, procurámos uma descrição pormenorizada e rigorosa, de forma a assegurar a fiabilidade do mesmo e privilegiar a triangulação de dados dado que tínhamos um estudo de casos múltiplos. Como metodologia analisámos inicialmente os resultados de cada comunidade em separado; depois, visando a comparação e triangulação dos dados – e sempre que possível -, procedemos à análise comparada entre os resultados das diferentes comunidades.

Como técnicas de recolha de dados privilegiámos a observação, o inquérito por entrevista e por questionário, complementados pela técnica de análise de redes sociais.

Observação

Elegemos a observação, enquanto imersão no campo, para iniciar a investigação em cada comunidade, permitindo o seu conhecimento e fazendo emergir outras questões a serem aprofundadas por outras técnicas, nomeadamente a do inquérito. Perante um foco de observação vasto e rico, afigurou-se indispensável a construção de um guião de observação (Stake, 2007) de interações por comunidade, com as seguintes dimensões: data e hora, interações, estilo de linguagem, intenção da mensagem, tipo de participação, relações de tensão, função afetiva, saudação e despedida. Interessava-nos recolher dados acerca dos temas mais discutidos, membros que se evidenciavam, níveis de participação, nível da (não) participação da administração/moderação, (não) cumplicidade entre os membros e os conflitos ocorridos e sua gestão. Mostrando-se eficaz, foi replicado para todas as comunidades e propiciou um conhecimento gradual da dinâmica da comunidade. Para as comunidades que dispunham de um centro de estatísticas atualizado, criámos outro guião de observação -“cronograma”-, para registo dos valores mensais de novas mensagens, novos tópicos e novos membros, dados recolhidos a partir do centro de estatística de cada comunidade ou contabilizados manualmente por nós e que foram trabalhados em estatística descritiva e gráficos representativos dos aludidos valores.

Elaborámos ainda, a partir do primeiro mês de observação, um diário do investigador para cada comunidade observada onde, sem grande estrutura pré-definida, fomos registando de forma cronológica as nossas observações bem como as asserções e inferências que, de forma transversal e abordando todos os aspetos (desde a dinâmica, níveis de acesso, estatísticas, problemas tecnológicos, …) acompanharam toda a investigação. A sua (re)leitura frequente permitiu-nos fazer emergir novas questões que justificaram o recurso a outras técnicas. Este diário do investigador configurou-se como o nosso guião principal, tendo sido criado um para cada comunidade estudada.

A Entrevista

Decorrente dos dados da observação, decidimos realizar entrevistas a administradores, visando esclarecer: (a) objetivos e razões que os levaram a promover, criar e dinamizar as comunidades estudadas e (b) diferentes aspetos inerentes até à forma como se (não) alimentavam as suas comunidades, a fim de poder, também, confirmar algumas evidências e informações resultantes da nossa observação e da análise das informações e “editais” publicados no portal de cada comunidade.

Surgiu também como importante tentar perceber da parte dos membros de uma das comunidades, que no decurso da observação se verificou ser muito dinâmica, as suas impressões sobre a referida comunidade, a razão que os levaram a integrá-la, as razões porque nela permaneciam, qual a opinião face à mesma e qual a mais-valia que dela estavam a usufruir. Estes objetivos justificaram a realização de entrevistas a vários membros dessa comunidade. Considerados estes pressupostos, decidimos adotar a entrevista semiestruturada. Elaborámos, assim, para cada uma das entrevistas, um conjunto de questões em consonância com os objetivos específicos definidos. Assegurados os princípios éticos e deontológicos, a maioria das entrevistas consumou-se com recurso a ferramentas informáticas – Skype e Messenger. Afigurou-se-nos assim (Holsti, 1969) a análise de conteúdo como a forma mais adequada ao tratamento dos testemunhos e informações recolhidas.

Ainda que tenhamos procedido ao registo de forma tradicional, de facto o uso de software permitiu-nos a codificação, de uma forma mais dinâmica, de todos os protocolos de entrevista. Numa fase posterior, permitiu-nos ainda trabalhar a codificação cruzada e transversal entre administradores e entre administrador e membros.

O Questionário

Os estudos de caso múltiplos de investigação qualitativa podem incluir instrumentos que procuram evidências quantitativas (Yin, 2009). Visando a triangulação de dados, complementar a observação e confirmar as nossas inferências face a uma amostra de membros entrevistados de uma das comunidades, decidimos aplicar um questionário.

Assumindo que pretendíamos conseguir perceções acerca do (não) funcionamento de cada comunidade, o caráter de anonimato do questionário afigurava-se como facilitador. Também e porque estávamos a investigar comunidades em ambiente virtual, não faria sentido ponderar outra forma de aplicação que não a online.

Conscientes dos potenciais riscos – interação indireta e não respostas, entre outros (Neuman, 2006; Ghiglione e Matalon, 2005), o questionário desenhado tinha como objetivos: (a) esclarecer aspetos de adesão a mais fóruns online; (b) inventariar razões de adesão a esta comunidade e antiguidade na mesma; (c) analisar/esclarecer a frequência de acesso aos diferentes espaços da comunidade; (d) analisar a representação quanto à participação na comunidade; (e) inventariar o tipo e benefícios da participação na comunidade; (f) avaliar a comunidade no momento presente e (g) identificar e inventariar as expectativas face à comunidade.

Para construção do mesmo, optámos pelo Google Docs em função dos aspetos da clareza, facilidade e acesso fácil. Assegurados os procedimentos éticos da validação, a aplicação dos questionários decorreu a partir da disponibilização do link num tópico do fórum da própria comunidade com prévia autorização do administrador.

No que concerne ao seu tratamento, e superando o tratamento incipiente da própria ferramenta informática, decidimos proceder a uma análise em função dos objetivos da nossa investigação, optando pela estatística descritiva. Numa primeira fase, e no que concerne às perguntas de resposta fechada, os resultados foram sistematizados em quadros de frequências absolutas e relativas.

Relativamente às perguntas de resposta aberta, recorremos à análise de conteúdo da qual, e de forma indutiva, emergiram as categorias dimensão social e níveis de satisfação, que incluímos na análise de cada comunidade.

Análise de Redes Sociais

A triangulação dos resultados da observação com os dados das entrevistas, questionários e diário do investigador, fizeram emergir a necessidade de tentar perceber, mais em profundidade, o nível da interação entre os membros. Optámos, na senda de outros autores (Murillo, 2002), por realizar uma análise das interações explícitas entre os atores, usando um fórum da comunidade educacional e dois outros – um de cariz mais profissional, ligado à atividade da comunidade e outro de caráter mais generalista, para ver se o nível de interação (não) era discrepante – de cada uma das comunidades profissionais e de uma comunidade social.

Tínhamos como objetivo procurar perceber as “relações entre os actores individuais ou colectivos” (Lemieux e Ouimet, 2008, p. 7), recorrendo ao software Ucinet 6 para o Windows Versão 6.289 (Borgatti, Everett e Freeman, 2002). Para a análise dessas redes, dado o nosso interesse em analisar mais profunda e pormenorizadamente a interação e dinâmica destes membros nos fóruns em estudo, centrámos a nossa atenção no tamanho, na Densidade e no Grau de Centralidade da Rede (Rocha, 2013), analisando percentualmente os rácios grau normalizado de saída e entrada.

Considerações Finais / Conclusão

Sendo, atualmente, as redes e comunidades virtuais de prática parte integrante das novas formas de organização social que proliferam atualmente na Rede, acreditamos que a metodologia adotada bem como uma matriz criada ser um contributo para a análise das novas formas de organização social, existentes na rede.

Bibliografia

Borgatti, S.P., Everett, M.G. and Freeman, L.C.  (2002). UCINET for Windows. Software for Social Network Analysis. Harvard, MA: Analytic Technologies Versão 6.289.

Denzin, N.; Lincoln, Y. (Editores). Handbook of qualitative research. Thousand Oaks, California: Sage Publications, 1994.

Ghiglione, R.; Matalon, B. (2005). O inquérito. Teoria e Prática. Oeiras: Celta.

Holsti, O.R. (1969). Content Analysis for Social Sciences and Humanities. Reading, Addison-Wesley.

Lave, J. & Chaiklin, Seth (eds.) (1993) Understanding Practice: Perspectives on Activity and Context. Cambridge. University of Cambridge Press.

Lave, J. & Wenger, E. (1991). Situated learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press

Lemieux, V.; Ouimet, M. (2008). Análise Estrutural das Redes Sociais. Lisboa: Instituto Piaget.

Murillo, E. (2002). Using Social Network Analysis to detect cohesive subgroups in Usenet newsgroups: an initial approximation to the study of “virtual” Communities of Practice. University of Bradford, 2002.

Neuman, W. (2006). Social Research Methods – qualitative and quantitative approaches (Sixth Edition). Boston: Pearson International Edition.

Patton, M. (1985). Quality in qualitative research: Methodological principles and recent developments. Chicago: Division J of the American Educational Research Association.

Rocha, M. (2013). Comunidades Virtuais de Prática: contextos educacional, profissional e sociedade civil. (Tese de Doutoramento). Universidade Aberta. Disponível a partir de http://repositorioaberto.uab.pt//handle/10400.2/2944

Smith, M. K. (2003, 2009). Communities of practice. In The encyclopedia of informal education. Consultado em 27 de Outubro de 2011. http://infed.org/biblio/communities_of_practice.htm

Stake, R. (2007).A Arte da Investigação com Estudos de Caso. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

Yin, R. (2009).Case Study Research – Design and Methods. Fourh Edition. Thousand Oaks, California: Sage Publications Inc.

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