Análise de Narrativas: percursos e desafios

Por Susana Sá, Universidade do Minho

Certos tipos de narrativa, produzidos por um investigador qualitativo num estudo de caso após a conclusão da recolha dos dados, também podem ser considerados uma parte formal da base de dados mas não fazem parte do relatório de estudo de caso final. A narrativa reflete uma prática especial que deve ser usada com regra, ou seja, “ter um protocolo de estudo de caso” (Yin, 2009, p.121). Esta prática tem sido utilizada em várias ocasiões em estudos de casos múltiplos desenhados pelo autor. Em tal situação, cada resposta representa a sua tentativa de evidência disponível no convergir sobre os fatos ou assunto, ou a sua tentativa de interpretação.

Designando de um modo geral a Narrativa, esta pode ser o resultado de uma compilação/organização de dados resultantes, depois de um investigador entrar em campo, de uma observação de aulas, de entrevistas realizadas em locais passíveis de serem comparáveis (dados semelhantes), etc. desde que apoiada por uma grelha de observação ou, no caso das entrevistas, de um guião de entrevista (no caso de esta ser semiestruturada).

De qualquer modo teremos de ter um suporte organizado, uma matriz de observação ou uma matriz de entrevista para nos guiar na estruturação dos dados entrevista ou nos dados recolhidos na observação.

A Observação como estratégia de recolha de informação

Apesar de a observação ser a técnica mais usada na investigação, é de difícil definição (De Ketele & Roegiers, 1993; Bogdan & Biklen, 1994). A observação é a técnica amplamente usada como recolha de informação, uma vez que permite estudar um grupo de indivíduos no seu contexto de ação (Morgado, 2013). Segundo as autoras Goetz & LeCompte (1988), muitos investigadores dizem-se não participantes, apesar de presentes, se estão a elaborar registos “desapaixonadamente” (Goetz & LeCompte, 1988, p. 153), sem interferência na ação. E aqui distanciamo-nos completamente da definição de observação participante defendida por Amado (2013), quando nos diz que a observação participante “implica uma aproximação muito grande do investigador em relação ao observado; fala-se, mesmo, na necessidade de ‘tomar o papel do outro’, ou da necessidade de participar na vida do observado” (p. 151).

O investigador como observador participante tem o privilégio de observar o ‘laboratório’ onde se está a produzir a ação. Neste caso impõe-se algumas regras, tal como preconizam Bogdan e Biklen (1994): ser discreto – a nível da presença, de comentários e a nível de notas recolhidas nas grelhas de observação. No que diz respeito à presença, tendo em conta o uso de vestuário de modo não apelativo ou constrangedor. Deve-se evitar qualquer comentário acerca do observado, sob pena de ser considerado não confiável ou desrespeitar a relação docente/estudante – observador. Assim como os apontamentos registados nas grelhas de observação devem ser guardados cuidadosamente e não expostos a olhares mal-intencionados, uma vez que as notas que se registaram contêm informação inofensiva, mas poderão conter referências nominais. Dever-se-ão usar nomes falsos e despistar ao máximo a identificação, quer de docentes, quer de estudantes; sentimentos – os sentimentos e preconceitos do investigador poderão ser fonte possível de enviesamento ou causar um impacto positivo na investigação. Quanto a causar um impacto positivo, temos os exemplos, segundo os autores, de reflexão conjunta ou de aproximação quando o observador exterioriza aquilo que está a sentir perante ambientes, onde se realiza a investigação, de confusão ou de hostilidade.

No que diz respeito à observação propriamente dita, é um processo que, como tal, requer atenção, intenção e capacidade de seleção por parte do investigador: “o investigador seleciona um pequeno número de informações pertinentes entre o vasto leque de informações possíveis”, controlando as informações passíveis de dar resposta às questões no seu estudo (Goetz & LeCompte, 1988, p. 155).

Na observação participante, “o investigador é o instrumento central da observação. Estuda os modos de vida no interior da própria comunidade, tentando não os perturbar e interferindo o menos possível” (Morgado, 2013, p. 89).

Análise da narrativa: desafios

Como afirma Tfouni (2005, pp. 73-74) “o discurso narrativo aparece como lugar privilegiado para elaboração da experiência pessoal, para a transformação do real em realidade, por meio de mecanismos linguísticos discursivos, e também para a inserção da subjetividade (entendida aqui, do ponto de vista discursivo), como um lugar que o sujeito pode ocupar para falar de si próprio, de suas experiências, conhecimento do mundo, ou, mais sucintamente, entendida com a forma pela qual o sujeito organiza sua simbolização particular”.

O trabalho de análise parte da seleção de recortes. A noção de recortes não é aquela de uma simples eleição de palavras-chave, tal como o faz a análise de conteúdo. O recorte pode ser visto como um fragmento discursivo que, para ser analisado, requer que se descrevam as suas condições de produção, que incluem o contexto histórico, os interlocutores, o lugar onde falam, a imagem que fazem de si e do outro e do referente. Portanto será aquilo que passaremos a designar, discurso significativo.

De acordo com Neri de Souza, Costa & Neri de Souza (2015), a expansão dos métodos de análise de dados qualitativos levou a uma necessidade de diferenciação dos mesmos. Nesse sentido, os três procedimentos de análise acima citados – juntamente com a “análise da conversação” e a “grounded theory” –, são denominados como “métodos reconstrutivos”, que se distinguem dos “métodos abertos” ou “descritivos” no campo das metodologias qualitativas.

Passos para a análise de narrativas como o uso do webQDA (ver figura 1):

  • Análise formal do texto (FONTES);
  • Descrição estrutural do conteúdo (CODIFICAÇÃO);
  • Processo de abstração analítica (QUESTIONAMENTO).
Análise de Narrativas webQDA

Figura 1 – Análise de narrativas como o uso do webQDA

 

Depois, e ainda recorrendo ao software webQDA, seguindo o procedimento do design de metodologia de análise de conteúdo (Bardin, 2004), procedemos à codificação e ao questionamento.

No que diz respeito à pesquisa biográfica em educação, os problemas de ordem teórico- metodológica e de imprecisão concetual são apontados como recorrentes. Segundo Bueno, Chamliam, Sousa & Catani (2006) “Caracterizam-se por uma enorme dispersão, tanto temática quanto metodológica, decorrente, entre outros fatores, da multiplicidade de referenciais teóricos utilizados nas pesquisas. Os teóricos que dão sustentação aos trabalhos têm sido utilizados em vários campos disciplinares, fazendo-se empréstimos concetuais e as mais variadas combinações, nem sempre isentas de ambiguidades quanto às denominações metodológicas utilizadas (p. 388).”

Krüger (2009, pp. 71-73) destaca as seguintes:

  • Uma mistura de lógicas quantitativas e qualitativas em pesquisas que pretendem responder simultaneamente a várias questões: por um lado opta-se por essa abordagem como uma forma de demarcar a opção metodológica pela pesquisa qualitativa; ao mesmo tempo busca-se traçar através do grupo pesquisado algumas constelações e repercussões das mesmas em uma escala geral;
  • Muitos estudos assumem um carácter mais descritivo e os procedimentos utilizados na análise dos dados causam uma certa impressão. O primeiro momento, a análise do caso individual, é rapidamente abandonada e o intérprete passa a realizar sinopses temáticas ou a apresentar modelos típicos sem o devido rigor.

Nesse sentido, esperamos ter trazido por meio deste texto algumas contribuições para a análise de narrativas, assim como para a reflexão em torno da qualidade dos dados qualitativos e os desafios que ainda precisam ser superados.

 

REFERÊNCIAS

Amado, J. (2013). Manual de Investigação Qualitativa em Educação. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

Bardin, L. (2004). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70.

Bogdan, R. & Biklen, S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação: Uma Introdução à Teoria e aos Métodos. Porto: Porto Editora.

Bueno, B., Chamliam, H.; Sousa, C., & Catani, D.  (2006). Histórias de vida e autobiografias na formação de professores e profissão docente (Brasil, 1985-2003). Educação e Pesquisa. São Paulo, 32,385-410.

De Ketele, J. & Roegiers, X. (1993). Metodologia da Recolha de Dados. Lisboa: Instituto Piaget.

Goetz, J. & LeCompte, M. (1988). Etnografia y diseño cualitativo en investigación educativa. Madrid: Morata.

Krüger, H. (2009). The importance of qualitative methods in the german educational science. In R. Bohnsack et al. (Orgs.). Qualitative Analysis and Documentary Method in International Educational Research.(pp. 55-76). Opladen; Farmington Hills: Barbara Budrich.

 

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